todos os bêbados (acham que) são mártires

é claro que a ausência me dói, dor essa nunca antes sentida. uma dor forte, febril, que me consome pouco a pouco em cada segundo de ócio. não é uma simples dor de corno, veja bem – é a pura e bruta ausência das coisas familiares, do sorriso partilhado, do olhar silencioso e condescendente. no entanto, esta ausência dolorosa causa espanto, causa fome e isto, em grande parte, me interessa. o mundo me incomoda, o barulho me aborrece e esta insatisfação com as coisas – como a dor de cabeça, a sede, o ódio (e outros sentimentos intensos) – me faz pensar no que me rodeia, me tira da ebriedade apática do mundano, das rodas dentadas do cotidiano.

me desperta.

e pego toda essa raiva do abrir dos olhos e crio, toda essa revolta com os pilares imundos e imutáveis da vida, com a condição errática e sonâmbula e vil da humanidade, e FAÇO. ou tento fazer. tento mudar o que posso com as armas que tenho: a palavra, a arte. me forço a pegar toda dor e fazê-la doer ainda mais, enfio o dedo na ferida para que haja uma fonte jorrante de energia criativa. reciclo, transformo, começo um novo projeto. começo, do zero, uma nova existência. faço contatos comigo mesma e com os outros. provoco-me. toco o meu interior imundo, meu coração pesado e arranco os pedaços para, através da flagelação, encontrar o limpo, o humano, o bom.

O BELO.

só a beleza das coisas do mundo me salvará do que sou.

One Response to “todos os bêbados (acham que) são mártires”

  1. Florisbella Says:

    “só a beleza das coisas do mundo me salvará do que sou.”

    Penso que o ser nao se explica, na verdade acredito que o ser não se conhece. Achamos que conhecemos. E nessas viagens existenciais, depositamos nos outros ou no mundo uma responsabilidade para nos transformar naquilo que gostaríamos de ser, ou não tirar aquilo que não queremos, ou nos salvar.
    No final de tudo, todos terminamos sem saber, entender ou conhecer o que somos.

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